Tramas literárias

Livro de contos.

Oficina de contos - encontros de sábado.

Oficina de contos - encontros de sábado.

Oficina de contos - encontros de sábado.

Oficina de contos - encontros de sábado.

4 de jan. de 2012

Encontro com Renoir

Le Moulin de la Galette, de Renoir, será a inspiração para o próximo exercício de criação de contos do Tramas.

29 de dez. de 2011

Qualquer semelhança...

Para desbloquear o texto literário, é preciso colocá-lo numa espécie de crise. As pessoas que fizeram o curso tiveram que trabalhar e discutir amplamente os textos ali criados, para conhecer melhor seus recursos e falhas.
Em compensação, houve descobertas de novas possibilidades abertas para o seu texto, através dos debates e, sem dúvida, pelo contato estimulante com outros escritores/as. Foi visível como o grupo agregou esses novos elementos e compreendeu de maneira mais objetiva a necessidade de ter um projeto literário.
A Biblioteca Mário de Andrade funcionou como um local inspirador, pois une o que está sendo produzido com aquilo que seu acervo disponibiliza em termos de rica tradição literária. Além do mais, o espaço é amplo, luminoso e facilmente acessível. Tudo isso colaborou para tornar nossas manhãs de sábado muito iluminadas pela criação e dedicação ao fazer literário.
João Silvério Trevisan
Coordenador do curso de criação literária 

(Curso de Criação Literária realizado na Biblioteca Mário de Andrade - Texto extraído do caderno promocional de dezembro 2011 da Biblioteca Mário de Andrade – www.bma.sp.gov.br).

5 de nov. de 2011

Feira do Livro

Clique em "leia mais" para assistir ao vídeo.

21 de mai. de 2011

COLETÂNEA DE CONTOS

PEQUENO MANUAL DO CONTO PARA INICIANTES: HISTÓRIA E TEORIA


Na minha opinião, o conto é o gênero literário mais moderno e que tem a
maior vitalidade. Por um lado porque – sabese
– o homem e a mulher
jamais deixam de contar o que lhes aconteceu. Por outro porque, por
mais cansativa que seja a vida humana, as pessoas sempre terão – nessa
época e nas próximas – cinco ou dez minutos para saborear um conto
bem escrito. Como é um gênero que terá assegurado o seu porvir –
costumo brincar – ao menos enquanto as pessoas tiverem abajures na
cabeceira da cama, forem ao banheiro ou viajarem de ônibus.
Mempo Giardinelli
Há sempre um certo desentendimento entre escritores, críticos e teóricos quando
se pretende definir o que realmente é um conto. Machado de Assis, por exemplo, já falou
do conto, dizendo que é um gênero difícil, a despeito de sua aparente facilidade. Outros
autores também destacaram a dificuldade de explicálo,
como Julio Cortázar, em “Alguns
aspectos do conto”, em que se refere a “esse gênero de tão difícil definição, tão esquivo nos
seus múltiplos e antagônicos aspectos” 1 . Ainda, no mesmo ensaio, Cortázar, sobre a
definição do conto, comenta:
Se não tivermos uma idéia viva do que é um conto, teremos perdido
tempo, porque um conto, em última análise, se move nesse plano do
homem onde a vida e a expressão escrita dessa vida travam uma batalha
fraternal, se me for permitido o termo; e o resultado dessa própria batalha
é o conto, uma síntese viva e ao mesmo tempo uma vida sintetizada. 2
Mempo Giardinelli, em compensação, em sua obra Assim se escreve um conto,
descreve o gênero como algo indefinível. A identificação do conto, suas existentes ou
1 CORTÁZAR, Julio. Alguns aspectos do conto. In: Valise de cronópio. Tradução de Davi Arrigucci Júnior.
São Paulo: Perspectiva, 1974. p. 147.
2 Ibidem, p. 147.
13
negadas leis, seus territórios e ressonâncias são, para Mempo, a própria história dessa
espécie de narrativa, ou seja, “o longo percurso que começa com as fábulas que o escravo
Esopo contava, que é útil relembrar, rapidamente, como conhecimento elementar para
aqueles que amam este gênero” 3 .
Segundo Giardinelli, noutras culturas, como na China, na Índia e na Pérsia, esse
gênero também prosperou em forma de fábulas, ensinamentos, lições de vida, etc. É curioso
perceber, de acordo com Mempo, que a riqueza da contística caracterizada como breve,
facilmente memorizável e reproduzível, existiu tanto na intenção satírica, na discussão
moral e religiosa quanto na crítica social.
A Idade Média e o Renascimento, para Giardinelli, foram marcados pela
importância do conto; porém, não como um produto ocidental e muito menos cristão, como
se pode pensar, mas pela contística que se inicia na Espanha com O Conde Lucanor , de
Dom Juan Manuel; na Itália, com o Decamerão, de Giovanni Boccaccio; na Inglaterra, com
Os contos de Canterbury, de Geoffrey Chaucer; assim como com os relatos das 1001
noites. São todos escritos do século XIV, que adotaram a formula da linguagem popular e
acessível. Durante o Renascimento, segundo Giardinelli,
essas formas literárias continuaram se afirmando com obras de enorme
popularidade como o Heptameron (da francesa Marguerite de Navarre,
século XVI), e especialmente por Miguel de Cervantes Saavedra (15471616)
com suas Novelas exemplares [...] Também são desse período Os
contos de Oca, minha mãe, de Charles Perrault (século XVII), e a vasta
obra de Jean de la Fontaine (16211695),
que foi autor não só de célebres
fábulas mas também de contos e romances curtos, baseando seu trabalho
em Esopo, Fedro e textos orientais em voga na época. 4
É válido lembrar, igualmente, os textos de Jakob e Wilhelm Grimm, transcrições
de contos populares, escritos entre 1785 a 1859, e do romântico E. T. A. Hoffman (17761822),
famosos pelo uso magistral do fantástico e do aterrorizante.
O conto, então mais conhecido como uma modalidade narrativa popular, de
intenção satírica, moral, religiosa ou crítica, consagrase
como entidade literária entre os
anos de 1829 e 1832, surgindo, na França, com Mérimée e Balzac, e nos Estados Unidos,
3 GIARDINELLI, Mempo. Assim se escreve um conto. Tradução de Charles Kiefer. Porto Alegre: Mercado
Aberto, 1994. p. 15.
4 Ibidem, p. 1819.
14
com Hawthorne e com Poe. Mas é Edgar Allan Poe o único a escrever uma considerável
série de narrativas que vêm a significar um impulso definitivo no gênero em seu país e no
mundo, aperfeiçoando formas que se mantêm até o momento atual. É o pioneiro no
inventário das particularidades do conto, ao diferenciálo
do capítulo de um romance e das
crônicas romanceadas de seu tempo. Compreende que sua eficácia depende de sua
“intensidade como acontecimento puro”, desprezando os comentários e descrições
acessórios, diálogos marginais e considerações posteriores, que são toleráveis dentro do
corpo de um romance, mas que destroem a estrutura da narrativa curta. É o primeiro a pôr
limites para o conto, a propor “regras” com sua teoria da unidade de efeito. Concentrase
em estudarlhe
a extensão e a reação que causa ao leitor, a qual rotulou como efeito,
dizendo que em quase todas as classes de composição, a unidade de efeito ou impressão é o
ponto de maior importância.
Na obra Review of twicetold
tales, escrita em 1842, Poe destaca a
indispensabilidade da leitura em uma só sentada. Se o leitor abandonar a leitura antes do
término, o conto não está funcionando, há problemas. O autor deve ter, para sua construção,
um perfeito domínio sobre o que será narrado e sobre a técnica narrativa que usará. Quanto
à extensão, segundo Poe, o autor deve conseguir, com o mínimo de meios, o máximo de
efeito. Tudo que se escrever em um conto deve ter uma função. Nada pode ser gratuito ou
dispensável.
Poe retoma mais tarde, em 1846, sua teoria do conto, com The philosophy of
composition. Trata ainda da unidade de efeito ou da unidade de impressão, onde se refere à
reação que o conto pretende causar ao seu leitor. Destina várias questões ao autor –
aterrorizar? encantar? enganar? – para que esse possa escolhêlas
ao escrever sua narrativa.
Tendo seu objetivo em vista, o autor deve trabalhar para “fisgar” o leitor.
Tchekhov compartilha do pensamento de Poe sob a questão da brevidade, de o
conto ser compacto, sendo necessário causar um efeito, ou o que chama de impressão total
no leitor. Desenvolveu, também, uma nova “fórmula” para a narrativa curta: “um mínimo
de enredo e o máximo de emoção”. As histórias intrigantes, de desfechos inesperados, que
predominavam entre os praticantes do gênero, foram, de certa forma, modificadas por ele,
que preferiu criar atmosferas, registrando situações abertas, que não se encerravam no fim
dos relatos. Com uma visão de mundo ora humorística, ora poética, ora dramática,
Tchekhov captou momentos ocasionais da realidade, fatias de vida, pequenos flagrantes do
15
cotidiano e estados de espírito do homem comum, transformando uma série de incidentes
laterais e aparentemente insignificantes da existência individual em representações perfeitas
do destino humano.
Da mesma forma, tratando das mesmas questões, afirma Brander Matthews, no
ensaio The philosophy of the short story, que “um verdadeiro conto difere do romance
devido à sua unidade de impressão” 5 . Seus elementos devem todos se orientar nesse
sentido. O romance, por exemplo, não exige tanto rigor.
Ainda sobre as idéias de Poe, Mário Lancelotti, em sua obra De Poe a Kafka: para
una teoria del cuento 6 , diz que o conto é a operação estrita do olho: atenção no estado puro.
O menor desvio põe em perigo o incidente, que é o acontecimento e o efeito, salientando a
necessidade de um alto nível de atenção que o gênero exige para sua leitura.
Julio Cortázar resume o conceito de Poe, chamando o conto de uma verdadeira
máquina de criar interesse. Aquilo que ocorre num conto, para Cortázar, deve ser intenso,
entendendose
intensidade como o palpitar da substância da narrativa, um núcleo animado
inseparável e decisivo, em torno do qual orbitam os demais elementos, e diz: “no conto vai
ocorrer algo, e esse algo será intenso ”7 .
Ao tratar também da intensidade e da tensão do conto, Mempo Giardinelli afirma,
baseandose
em Mastrângelo, que tal unidade funcional tem dois fins primordiais: o de
canalizar e dirigir o interesse ou a emoção à mente do leitor e o de concentrar esse interesse
ou emoção no final do acontecimento narrado, fazendoo
explodir ou desvanecerse
tão
radical e oportunamente, que o próprio leitor arremate o conto, sem aviso prévio e sem a
presença do contista.
Imbert, em Teoria y técnica del cuento, apresenta, da mesma forma, uma
concepção do gênero relacionada à intensidade e à tensão, afirmando que:
A concepção de um conto implica um “esquema dinâmico de sentido”. A
mente do contista parte de uma idéia problemática em busca de soluções
imaginativas. E esse rápido esquema intuitivo se reforça porque o
contista está convidando a personagens que também saltam de uma
tensão a uma imediata distensão. Os impulsos de curto alcance na criação
5 MATTHEWS, Brander. The philosophy of the short story. In: MAY, Charles E. (Ed.). The new short story
theories. Athens: Ohio University, 1994. p. 73: “A true shortstory
differs from the Novel in its unity of
impression”.
6 LANCELOTTI, Mario A. De Poe a Kafka: para una teoria del cuento. Buenos Aires: Eudeba, 1965.
7 CORTÁZAR, Julio. Op. cit. nota 1, p. 148.
16
do conto imitam os impulsos espontâneos e espasmódicos da vida [...] No
conto, a fantasia convida ao leitor a se aventurar em uma ação possível. 8
Assim como o romance se relaciona ao filme, à novela, agindo por acumulação,
tendo um desenvolvimento de elementos parciais, para Cortázar o conto é como uma
fotografia. De acordo com alguns fotógrafos, sua arte se apresenta como um paradoxo, que
Cortázar considera também próprio do conto:
O de recortar um fragmento da realidade, fixandolhe
determinados
limites, mas de tal modo que esse recorte atue como uma explosão que
abre de par em par uma realidade muito mais ampla. 9
O conto carrega um significado próprio, como unidade autônoma, mas ultrapassa
esse significado quando rompe com seus próprios limites “com essa explosão de energia
espiritual que ilumina bruscamente algo que vai muito além da pequena e miserável história
que conta” 10 .
Adentrando reflexivamente na posição de Cortázar, temse
uma outra definição do
que é um conto na visão de Hemingway, em sua teoria do iceberg. Para o escritor
americano, se o livro está escrito com carga suficiente de verdade, o escritor deve omitir
partes dessa verdade, que, mesmo ocultada no interior do texto, é capaz de cooptar seu
leitor de maneira convincente e segura. O nãodito
prevalece sobre o dito, o sugerido ganha
estatuto de fato consumado:
O leitor, se o escritor está escrevendo com verdade suficiente, terá uma
sensação mais forte do que se o escritor declarasse tais coisas. A
dignidade do movimento do iceberg é devida ao fato de apenas um
oitavo de seu volume estar acima da água 11.
8 ANDERSON IMBERT, Enrique. Teoria y técnica del cuento. Buenos Aires: Marymar, 1979. p. 34: “La
concepción de un cuento implica un “esquema dinámico de sentido”. La mente del cuentista parte de una
ideia problemática en busca de soluciones imaginativas. Y ese rápido esquema intuitivo si refuerza porque el
cuentista está inventando a personajes que también saltan de una tensión a una inmediata distención. Los
impulsos de corto alcance en la creación del cuento remedan los impulsos espontáneos y espasmódicos de la
vida [...] En el cuento, la fantasia invita al lector a aventurarse en una acción posible”.
9 CORTÁZAR, Julio. Op. cit. nota 1, p. 124.
10 Ibidem, p. 151152.
11 HEMINGWAY apud MOSCOVICH, Cíntia. De Poe a Piglia: em busca das teorias sobre o conto e o
encontro de uma gramática do silêncio. Veredas, v. 8, n. 124, out. 2006. Disponível em:
<www.veredas.art.br>. Acessado em 26/10/2006.
17
Chegase,
aqui, ao ponto em que se tornam recíprocos esses dois últimos
argumentos. O conto é aquela obra que carrega mais de uma história: uma, a aparente, a
que está aos olhos de todos; a outra – ou outras – está por trás, nas entrelinhas: o que se
pode chamar de subtexto. Esse último requer, muitas vezes, uma considerável bagagem
literária para ser alcançado. É o que se pode rotular como enigma ou estranhamento –
aquilo que faz o leitor, logo após a leitura, intrigarse,
tendo a necessidade, ou mesmo a
vontade de reler o texto, pois ele compreende a história aparente, porém, findaa
com certo
incômodo por saber que há algo nela que está ali e não foi percebido, desvendado, e que
não se trata de uma alegoria, mas de uma história oculta.
O escritor argentino Ricardo Piglia, num ensaio chamado “Tese sobre o conto”,
em seu livro O laboratório do escritor , absorve os ensinamentos daqueles que o
precederam, trabalhando diretamente com o que se esconde por trás da história aparente.
Sua teoria caminha junto com a teoria do iceberg, de Hemingway: a verdadeira história
está oculta no conto.
Piglia inicia sua exposição usando uma das anotações deixada por Tchecov: “Um
homem, em Monte Carlo, vai ao Cassino, ganha um milhão, volta para casa, se suicida”. Aí
está, para Ricardo Piglia, a primeira tese, a de que “um conto conta sempre duas
histórias” 12 , pois há algo por trás dessa história aparentemente simples. Foge ao
convencional. Se o homem tivesse perdido um milhão, seria cabível, devido a um
desespero, o suicídio, mas não se teria um conto, e sim, uma fatalidade. Se no lugar do
suicídio, o homem fosse atropelado na saída do cassino, haveria um finalsurpresa,
e não
estranho, apenas uma outra fatalidade, uma notícia de jornal.
Piglia afirma que o conto narra, em primeiro plano, o que passa a chamar de
história aparente, ocultando, em seu interior, a história cifrada . Uma história visível
esconde uma história secreta, narrada de modo elíptico e fragmentário. “O efeito de
surpresa se produz quando o final da história secreta aparece na superfície” 13 .
Segundo Piglia, o conto é uma obra que abandona o final surpreendente e a
estrutura fechada. A tensão entre as duas histórias nunca é resolvida. Contase
a história
secreta de modo cada vez mais disfarçado, fundindose
ela com a história aparente. O mais
12 PIGLIA, Ricardo. Tese sobre o conto. In: O laboratório do escritor . Tradução de Josely Vianna Baptista.
São Paulo: Iluminuras, 1994. p. 37.
13 Ibidem, p. 37.
18
importante não se conta. A história secreta – o subtexto – constróise
com o que não se diz,
com o subentendido.
Em Assim se escreve um conto, de Mempo Giardinelli, é possível se encontra
definições como: o conto é uma breve série de incidentes, de ciclo acabado e perfeito como
um círculo, de incidentes reunidos numa única e ininterrupta ilação, sem grandes intervalos
de tempo e espaço e arrematados por um final imprevisto e natural; ou, também, numa
outra definição, simplesmente como uma narrativa de curta duração, de um só assunto, com
um número reduzido de personagens e que é capaz de criar uma situação condensada e
completa.
No Brasil, alguns estudiosos também colaboraram de forma significativa para uma
teorização mais precisa do conto. Na década de 50, um dos primeiros a dedicarse
ao estudo
da narrativa curta foi Herman Lima, em Variações sobre o conto (1952), e, logo após, em
1954, Edgar Cavalheiro, com Evolução do conto brasileiro. Mais recentemente, o crítico e
jornalista gaúcho Antonio Hohlfeldt, em sua obra Conto brasileiro contemporâneo,
verificou a produção do gênero na literatura brasileira dos anos 40 até os anos 80,
mapeandoo
e classificandoo
em tipos como: o conto rural, o conto alegórico, o conto
psicológico, o conto de atmosfera, o conto de costumes e o conto sóciodocumental.
No mesmo estudo, Hohlfeldt, ao tratar da maneira como o conto é narrado,
afirma:
temporariamente falando, pois, o conto é sempre a narração de alguma
coisa no passado, ainda que o verbo empregado esteja em um tempo do
presente. A narrativa poderá situarse
num presente, mas sempre referida
a um passado, a uma ação já ocorrida, ainda que suas conseqüências
possam vir projetarse
no futuro, como ocorre especialmente com o conto
contemporâneo 14 .
No Rio Grande do Sul, Gilda Neves da Silva Bittencourt publicou, em 1999, O
conto sulriograndense:
tradição e modernidade, tese defendida em 1993, em seu
doutoramento na USP. Neste trabalho, Gilda Bittencourt analisa doze obras de onze
contistas gaúchos da década de 70, focalizando seu estudo em distintos aspectos, como a
manifestação cultural de um determinado período com suas implicações sociais e históricas,
14 HOHLFELDT, Antonio Carlos. Conto brasileiro contemporâneo. Porto Alegre: Mercado Aberto, 1988. p.
18.
19
ligandose
à investigação mais profunda da dicotomia autor/narrador na construção do
universo ficcional.
Da mesma forma, também como fruto dos seus estudos acadêmicos, Charles
Kiefer, escritor, publicou, em 2004, A poética do conto, tratando de autores consagrados,
como Poe, Cortázar, Borges, entre outros. Na obra, Kiefer detémse
em analisar a
perspectiva com que cada um desses nomes lia o outro, numa espécie de sistema em que é
possível notar a evolução da narrativa curta até a modernidade.
Outro relevante texto a tratar do conto, e já com o rótulo da pósmodernidade,
está na obra do escritor brasileiro Silviano Santiago, Nas malhas da letra , em que,
baseandose
em Walter Benjamim, trata especificamente da estrutura narrativa do conto
pósmoderno
e, em menor escala, de suas personagens.
Walter Benjamin, em “O narrador: observações acerca da obra de Nicolau
Lescov”, dedicandose
à narrativa curta desse autor, pertencente a uma fase tardia de sua
produção, afirma que, por mais familiar que seja a palavra narrador , não é possível dizer
que este está presente na sua real atuação, e diz que esse narrador “é alguém já distante de
nós e a distanciarse
mais e mais” 15 . Para Benjamin, tornase
cada vez mais rara a
possibilidade de se encontrar alguém verdadeiramente capaz de historiar algum evento. A
hesitação e o embaraço, segundo o filósofo, é freqüente quando se faz ouvir num círculo o
desejo de que seja narrada uma história qualquer, como se tivessem tirado de todos um
poder aparentemente inato: a capacidade de se trocam, através das palavras, as experiências
vividas.
Segundo Walter Benjamin, uma das causas dessa situação é o fato de as
experiências terem perdido seu valor, já que a própria experiência, transmitida via oral, a
forma primeira do que hoje se considera como conto, é a fonte originária de todas as
narrativas. Diz ele que, inicialmente, podese
considerar a existência de dois principais
tipos de narradores: os que viajaram por muitos lugares e os que permaneceram por muito
tempo em um único lugar. Para Benjamin, cada um desses conserva algum dos seus
predicados mesmo depois de séculos e séculos, desencadeandose
em todos as formas
narrativas que se conhecem. Com isso, destacando o valor da experiência vivida por
15 BENJAMIN, Walter. O narrador: observações acerca da obra de Nicolau Lescov. In: BENJAMIN;
ADORNO; HORKHEIMER; HABERMAS. Textos escolhidos. São Paulo: Abril Cultural, 1975. (Col. Os
Pensadores). p. 63.
20
alguém e também presenciada como estrutura primordial da narrativa, principalmente a
curta, Walter Benjamim afirma que:
o grande narrador terá sempre as suas raízes no povo, em primeiro lugar
nas camadas artesanais. Mas assim como essas abrangem os artífices
camponeses, marítimos e urbanos, nos mais diversos estágios do seu
desenvolvimento econômico e técnico, também se graduam muitas vezes
os conceitos, nos quais é transmitido o resultado de sua experiência. 16
Para Benjamin, podemse
caracterizar três estágios evolutivos da história do
narrador. O primeiro estágio é o do narrador clássico, oral, cuja função é dar ao seu ouvinte
a oportunidade de um intercâmbio de experiência. O segundo é o do narrador do romance,
cuja função passou a ser a de não mais poder falar de maneira exemplar ao seu leitor. E o
terceiro é o do narrador como jornalista, ou seja, aquele que pelo narrar só transmite a
informação, visto que escreve não para narrar a ação da própria experiência, mas o que
aconteceu com x ou y em tal lugar e a tal hora. Benjamin desvaloriza (mas o pósmoderno
valoriza) o último narrador. Para Benjamin, a narrativa não deve estar interessada em
transmitir o “puro em si” da coisa narrada como uma informação ou um relatório. A
narrativa é narrativa porque ela mergulha a coisa na vida do narrador para depois retirála
dele.
Para Santiago, inspirado na teoria de Benjamin, algumas questões são básicas para
se discutir o que ele considera um narrador pósmoderno,
como, por exemplo: quem narra
uma história é quem a experimenta, ou quem a vê? Ou seja: é aquele que narra ações a
partir da experiência que tem delas, ou é aquele que narra ações a partir de um
conhecimento que passou a ter delas por têlas
observado em outro? Só é autêntico o que eu
narro a partir do que experimento, ou pode ser autêntico o que eu narro e conheço por ter
observado? Será sempre o saber humano decorrência da experiência concreta de uma ação,
ou o saber poderá existir de uma forma exterior a essa experiência?
A partir de tais interrogações, sobre quem narra e sobre a autenticidade da coisa
narrada, Santiago afirma que:
O narrador pósmoderno
é aquele que quer extrair a si da ação narrada,
em atitude semelhante à de um repórter ou de um espectador. Ele narra a
ação enquanto espetáculo a que assiste (literalmente ou não) da platéia,
16 Idem, Ibidem, p. 77.
21
da arquibancada ou de uma poltrona na sala de estar ou na biblioteca; ele
não narra enquanto atuante 17 .
Para Santiago, a coisa narrada é vista com objetividade pelo narrador, embora este
confesse têla
extraído da sua vivência. O narrado existe como puro em si. É informação,
exterior à vida do narrador:
o narrador pósmoderno
é o que transmite uma “sabedoria” que é
decorrência da observação de uma vivência alheia a ele, visto que a ação
que narra não foi tecida na substância viva da sua existência. Nesse
sentido, ele é o puro ficcionista, pois tem de dar “autenticidade” a uma
ação que, por não ter o respaldo da vivência, estaria desprovida de
autenticidade. Esta advém da verossimilhança que é produto da lógica
interna do relato. O narrador pósmoderno
sabe que o “real” e o
“autêntico” são construções de linguagem. 18
O que se entende por contos que possuam um narrador pósmoderno,
para
Silviano Santiago, se recobre e se enriquece pelo enigma que cerca a compreensão do olhar
humano na civilização contemporânea. Por que se olha? Para que se olha?
A ficção existe para falar da incomunicabilidade de experiências: a
experiência do narrador e a do personagem. A incomunicabilidade, no
entanto, se recobre pelo tecido de uma relação, relação esta que se define
pelo olhar. Uma ponte, feita de palavras, envolve a experiência muda do
olhar e torna possível a narrativa. 19
A ação pósmoderna,
de acordo com Santiago, é jovem, inexperiente, exclusiva.
As narrativas hoje são quebradas. Sempre recomeçam. As ações do homem não são
diferentes em si de uma geração para outra, mudase
o modo de encarálas,
de olhálas.
O
que está em jogo, para Silviano Santiago, não é o surgimento de um novo tipo de ação,
inteiramente original, mas a maneira diferente de considerála.
De acordo com Santiago
“podese
encarála
com a sabedoria da experiência, ou com a sabedoria da ingenuidade” 20 .
O olhar humano pósmoderno
“é desejo e palavra que caminham pela
imobilidade, vontade que admira e se retrai inútil, atração por um corpo que, no entanto, se
17 SANTIAGO, Silviano. Nas malhas da letra . São Paulo: Companhia das Letras, 1989. p.38.
18 Ibidem, p 40.
19 Ibidem, p. 46.
20 Ibidem, p. 47.
22
sente alheio à atração, energia própria que se alimenta vicariamente de fonte alheia” 21 . Ele
é, de acordo com Santiago, o resultado crítico da maioria das nossas horas de vida
cotidiana.
São essas as posturas fundamentais do homem contemporâneo, ainda e
sempre mero espectador ou de ações vividas ou de ações ensaiadas e
representadas. Pelo olhar, homem atual e narrador oscilam entre o prazer
e a crítica, guardando sempre a postura de quem, mesmo tendo se
subtraído à ação, pensa e sente, emocionase
com o que nele resta de
corpo e/ou cabeça. 22
Devido a isso, as personagens do conto pósmoderno,
segundo Silviano Santiago,
passam a ser atores do grande drama da representação humana. Exprimemse
através de
ações ensaiadas, produto da arte de representar. Para falar das inúmeras facetas dessa arte é
que o narrador pósmoderno
existe: “para testemunhar do olhar e da sua experiência é que
ainda sobrevive a palavra escrita na sociedade pósindustrial”

10 de mar. de 2011

Estamos de volta

Recomeça neste sábado, 11 de março, a série de oficinas de conto, na Biblioteca Pública Municipal, a partir das 9h30min. Na ocasião, os participantes apresentarão textos produzidos durante as férias. A coordenação dos trabalhos é da professora Lisane Veloso.

A morte de Scliar

O escritor Moacyr Scliar que havia sofrido um acidente vascular cerebral isquêmico (AVC) e estava internado no Centro de Tratamento Intensivo (CTI) do Hospital de Clínicas de Porto Alegre desde 17 de janeiro, faleceu no dia 27 de fevereiro. Segundo boletim médico, Sclyar, morreu de falência múltipla de órgãos.
Tasso Marcelo/AE
Tasso Marcelo/AE
O escritor gaúcho, Moacyr Scliar
Internado desde 11 de janeiro para uma cirurgia de extração de tumores no intestino, Scliar sofreu um acidente vascular cerebral (AVC) isquêmico no dia 16 de janeiro e foi encaminhado à Unidade de Tratamento Intensivo. No dia seguinte, sofreu uma cirurgia para retirada de coágulo decorrente do AVC, passando a ser mantido com um mínimo de sedação necessária. O escritor passava pela retirada gradual da sedação quando, no dia 9 de fevereiro, apresentou um quadro de infecção respiratória, voltando então a ser sedado e a respirar por aparelhos.
O velório aconteceu no salão Júlio de Castilhos da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul. O sepultamento acontece nesta segunda-feira (28), às 11h, no Cemitério Israelita de Porto Alegre.
História"Não preciso de silêncio, não preciso de solidão, não preciso de condições especiais. Preciso só de um teclado." Em meio a dezenas de depoimentos de autores sobre as mais diferentes manias no momento de escrever, publicados desde o início do ano passado no blog do escritor Michel Laub, o do gaúcho Moacyr Scliar se destacou pelo pragmatismo: para o criador prolífico e naturalmente inspirado, o único impedimento para a escrita seria a falta da ferramenta com a qual levá-la a cabo.
Tanto era assim que, em quase 50 anos de carreira literária, o porto-alegrense publicou mais de 80 livros - o primeiro, Histórias de um Médico em Formação, em 1962, mesmo ano em que concluiu a faculdade de medicina na Universidade Federal do Rio Grande do Sul, e o mais recente, o romance Eu Vos Abraço, Milhões, em setembro do ano passado. Entre um e outro escreveu romances e livros de crônicas, contos, literatura infantil e ensaios, numa média de mais de um livro por ano, com destaque para O Ciclo das Águas,A Estranha Nação de Rafael MendesO Exército de um Homem Só O Centauro no Jardim.
Tudo isso mantendo os critérios que o tornaram um dos mais reconhecidos autores brasileiros contemporâneos em solo nacional, com uma cadeira na Academia Brasileira de Letras desde 2003 e três Jabutis (1988, 1993 e 2009) entre prêmios recebidos, e também no exterior, com obras publicadas em 20 países e honrarias como o Casa de Las Americas, em 1989.


Escritor e médico
E sem deixar de lado a carreira na medicina. Na área, destacou-se desde 1969 em cargos como chefe da equipe de Educação em Saúde da Secretaria da Saúde de RS e diretor do Departamento de Saúde Pública. Entre o lançamento do livro de contos que Scliar preferia considerar como sua primeira obra profissional, O Carnaval dos Animais, em 1969, e o primeiro romance, A Guerra no Bonfim, em 1971, encontrou tempo ainda para cursar pós-graduação em medicina comunitária em Israel. Ainda no início da década passada, em 2002, concluiu doutorado em Saúde Pública pela Escola Nacional de Saúde Pública, com a tese Da Bíblia à Psicanálise: Saúde, Doença e Medicina na Cultura Judaica.
A tradição judaica o acompanhou em toda a carreira literária, assim como o imaginário fantástico - nascido em 23 de março de 1937 no bairro do Bom Fim, que até hoje reúne a comunidade judaica de Porto Alegre, e alfabetizado pela mãe, Sara, que era professora primária, Scliar chegou a ter o romance O Centauro no Jardim incluído numa lista com os cem melhores livros relacionados à história dos judeus dos últimos dois séculos, elaborada pelo National Yiddish Book Center. Também se tornou um grande porta-voz do País sobre temas relativos ao judaísmo, mantendo laços de amizade com alguns dos maiores autores israelenses no mundo contemporâneo, como David Grossman, A.B. Yehoshua e Amos Oz.
A especialização em saúde pública, por sua vez, deu a Scliar a oportunidade de vivenciar temas como a doença, o sofrimento e a morte - características que podem ser percebidas tanto em sua ficção, em obras como A Majestade do Xingu, quando na não ficção, caso em que A Paixão Transformada: História da Medicina na Literatura é um dos exemplos mais claros. Ele pôde também conhecer de perto a realidade brasileira, o que fez da vida de classe média, sempre em textos leves e bem-humorados, outro de seus assuntos centrais.


Áreas diversas
Casado desde 1965 com Judith Vivien Oliven e pai de Roberto, nascido em 1979, Scliar também dedicou atenção especial às obras infanto-juvenis. Costumava dizer que escrevendo para os jovens reencontrava o jovem leitor que havia sido. Boa parte de sua produção nessa área foi considerada "altamente recomendável" pela Fundação Biblioteca Nacional.
Além de produzir textos para vários jornais e revistas, o autor também teve trabalhos adaptados para o cinema. Caso do romance Um Sonho no Caroço do Abacate, adaptado em 1998 por Luca Amberg sob o título Caminho dos Sonhos, em cujo elenco apareceram atores como Taís Araújo, Caio Blat e Mariana Ximenes. Em 2002, o romance Sonhos Tropicais também virou filme, sob direção de André Sturm, com Carolina Kasting, Ingra Liberato e Cecil Thiré entre os atores.

20 de dez. de 2010

PROTAGONISTAS DA OFICINA


A Oficina do Conto de Cachoeira do Sul foi inaugurada em outubro de 2010, durante a Feira do Livro da cidade, pelo escritor gaúcho Charles Kiefer. Ele ministrou o primeiro encontro do grupo, que reúne professores, acadêmicos e profissionais de outras áreas. O objetivo da oficina é produzir contos e publicá-los. A coordenação dos trabalhos ficou a cargo da professora Lisane Veloso, da Faculdade de Letras da Universidade Luterana do Brasil (Ulbra) de Cachoeira do Sul.